Carta da 8ª Assembléia da Comissão Guarani Yvyrupa

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Palhoça/SC – Terra Indígena Morro dos Cavalos, 24 de maio de 2019.
Carta da 8ª Assembléia da Comissão Guarani Yvyrupa

Nós, mais de 500 lideranças Guarani articulados através da nossa organização, a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), que reúne representantes dos povos Guarani Nhandeva, Mbya e Ava, de todo Sul e Sudeste do país, com a participação de representantes da AtyGuasu, Arpin-Sul e APIB registrando também a presença de apoiadores, reunidos entre os dias 20 a 24 de maio de 2019, atentos às ameaças aos nossos direitos tradicionais e às violações de direitos humanos contra os nossos povos, tornamos público nosso posicionamento político.

Nesses cinco dias em que estivemos reunidos na Terra Indígena Morro dos Cavalos discutimos sobre a conjuntura nacional e do nosso Povo, ouvimos e trocamos experiências com nossos parentes que vieram de toda a Yvyrupa, de lugares que os juruá – os não indígenas - chamam Argentina, Paraguai e também de vários estados, fronteiras criadas pelos não indígenas que chamam de Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Tivemos tempo para encontrar nossos parentes que vieram de longe dançar, sorrir, cantar e discutir o futuro da nossa organização indígena e definir as nossas prioridades, mas não ignoramos a conjuntura nacional e o histórico de violações a que nossos povos estão submetidos.

São 519 anos que os juruá tentam cometer genocídio contra o nosso povo. Aos brasileiros que estão assustados com os ataques deste governo, dizemos: sejam bem-vindos ao Brasil! Durante muitos anos lutamos sozinhos, e estamos denunciando a destruição dos nossos territórios, da nossa cultura para o dito progresso, mas nesse momento em que enfrentamos um governo de viés fascista, estamos estendendo nossas mãos, estamos conseguindo amplificar a nossa voz, nos conectar com outros povos, movimentos e outras lutas.

Com essa mobilização, conseguimos derrotar a municipalização da saúde indígena, realizamos o Acampamento Terra Livre na Esplanada dos Ministérios, nos reunimos com os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados e conseguimos derrotar também a afrontosa destruição da Funai. Não temos medo e não iremos recuar. Sabemos que a principal estratégia do governo é dividir o povo. Os ruralistas que dominaram o governo e a pasta de assuntos fundiários, especialmente o Sr. Nabhan Garcia, estão percorrendo várias aldeias de nossos parentes se aproveitando da situação difícil que enfrentamos pela ausência de políticas públicas adequadas, obstáculos para a demarcação de terras indígenas e sucateamento da Funai, para assediar as comunidades com promessas vãs de que devem arrendar suas terras, abrir espaço para mineração, plantio de soja, eucalipto e outras formas de destruição da natureza e da nossa cultura. A todos eles dizemos: não iremos recuar!

Sabemos da estratégia dos juruá que dividiram o continente sul-americano com o objetivo de explorar o rio, a mata e os minérios para mandar todo esse recurso para a Europa e outros continentes. Passamos por esses processos todos desde os jesuítas, bandeirantes e a perseguição da ditadura militar.Também já enfrentamos a perseguição cristã que até hoje se mantém presente, dizendo que nossa religião, nosso modo de vida, nossa tradição e crenças não são verdadeiras. Mesmo assim a nação Guarani se coloca em resistência a todos esses processos, as aldeias, os xeramõi e xejaryi continuam com as práticas tradicionais do uso das ervas medicinais, ensinamentos aos mais jovens e luta pelo território. 

Depois de destruir as matas e poluir os rios, os juruá kuery criam reservas de proteção do meio ambiente, e nos expulsam dizendo que somos invasores. Dizem que se os Guarani se espalharem vai acabar as florestas, os rios e os animais. Mas os juruá só chegaram aqui há 519 anos e foi nesse período que eles se espalharam e as matas acabaram, muitos animais fugiram e foram extintos. A intenção deles não é de proteção, se fosse isso nós seríamos procurados para realizar parceria, o interesse deles é privatizar e garantir a exploração econômica. Não somos invasores, somos protetores da floresta! Se a pequena faixa do bioma Mata Atlântica ainda se mantém é porque os Guarani se encontram neste território. Na região do Vale do Ribeira, nossas comunidades estão sendo pressionadas para sair do lugar porque ali seria parque ambiental; mas continuaremos sempre lutando para defender nosso território que alguns querem privatizar. 

Muitas terras estão com a demarcação paradas no Rio Grande do Sul, existem situações de retomadas que correm risco de reintegração de posse e, até hoje, também há parentes que vivem em beiras de estrada, enquanto os processos de demarcação estão paralisados. Existem comunidades que estão nas suas terras, mas o Estado dizendo que é dono, não consegue chegar a um acordo com a Funai para regularizar a situação. Lembramos também dos nossos parentes Kaiowá que foram mortos na época da mate laranjeira, para enriquecer os fazendeiros que exploram a soja, o gado e a cana. Hoje eles  estão no Congresso e no Governo, pagando para matar e tentando aprovar leis para criminalizar nossos parentes. 

Destacamos que a luta dos Guarani no Paraguai e Argentina é a mesma luta que vemos aqui no Brasil. Denunciamos que estão matando as nossas comunidades, matam nossas lideranças e levam o corpo não sabemos pra onde. Na região Oeste do Paraná, os ruralistas falam que nós nunca fomos de lá, quando na verdade fomos expulsos de lá para construir a Itaipu, grande ‘progresso nacional da morte’ que inundou os nossos tekoá e quando retomamos esse território, somos chamados de invasores. Dizem que somos paraguaios jogando a opinião pública contra nós. Essa estratégia é conhecida, eles atacam a nossa identidade para negar nossos direitos. A isso respondemos: nossa terra é a Yvyrupa, não temos fronteiras!

É um momento difícil, nossos xondaros e xondarias estão sendo impedidos pela justiça de se manifestar. Uma decisão da justiça de Umuarama (PR) criminaliza as lideranças dizendo que não podemos usar os símbolos da nossa cultura porque isso ofende a polícia. Não podemos e não iremos nos calar, estamos vivendo a ameaça de um governo com traços fascistas. As manifestações são a cura contra o fascismo!

Destacamos que, além dos direitos relacionados à terra, sempre tivemos que lutar pelo direito à educação diferenciada, sonegada pelo Estado brasileiro, ao saneamento básico e à saúde indígena, que foi construída de maneira participativa nos últimos anos. Chegamos a uma proposta que precisa ser melhorada e aprofundada, e não destruída, desmontada ou desmembrada para os municípios.

Diante dessas situações, aprovamos os seguintes posicionamentos:
1.      Repudiamos quaisquer alterações nas estruturas do Governo Federal que tentem colocar para enfraquecer nossos direitos territoriais, como a Medida Provisória 870/2019 e Decreto 9667/2019 que violam nosso direito à Consulta Livre, Prévia e Informada e através da qual o representante máximo do Poder Executivo pretendia cumprir suas promessas de campanha e garantir que não haja, em sua gestão, nenhum centímetro de terra demarcada para indígenas e quilombolas;
2. Denunciamos as propostas do Governo Federal que atacam nossos direitos fundamentais relacionados à saúde indígena, e novamente violam o direito à Consulta Livre Prévia e Informada, além de apagar as nossas especificidades culturais conquistadas com a saúde diferenciada, ao propor a municipalização da saúde indígena, precarizando ainda mais a já mal executada política pública;
3.  Nos levantamos contra os retrocessos na Educação, feitos por um Ministério desqualificado que busca a todo custo cortar recursos em todas as áreas e favorecer interesses de empresas privadas, tendo extinguido de saída a SECADI, secretaria que tinha função de promover nossos direitos constitucionais de uma educação indígena, diferenciada e específica para cada um de nossos povos;
4.      Por fim, nos manifestamos contra a Reforma da Previdência e nos somamos aos trabalhadores da sociedade brasileira na luta contra a retirada dos nossos direitos historicamente conquistados, particularmente quanto às mudanças na aposentadoria rural, que afetarão profundamente nossas comunidades e nossos anciãos, os xeramõi e xejary kuery;
5.  Defendemos e lutamos pela demarcação de todas as terras indígenas da Yvyrupa, pelo não retrocesso e garantia dos nossos direitos originários e pela segurança e não criminalização das nossas lideranças. Nós lutamos contra a violência dos Juruá kuery há mais de 500 anos e continuaremos a lutar, unidos, até o fim, para que kyringue, nossas crianças, tenham um futuro digno. No Brasil, todo mundo tem sangue indígena: alguns nas veias, outros nas mãos. Por isso convocamos a sociedade brasileira a nos apoiar nesta luta, todos aqueles que se sensibilizam com os povos originários, verdadeiros ancestrais do Brasil. Vamos juntos, joupivepive, lutar pelo futuro dos povos indígenas!

Aguyjevete para quem luta!

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