Mais que boa ópera: o Jesus da UNISUL na Enseada de Brito.

Surpreendeu-me o horário: 90min. Aplausos espontâneos de pé e prolongados para a 20°apresentação da Paixão de Cristo encenada por jovens da Enseada do Brito e tendo universitários estudantes e colaboradores da UNISUL na coordenação do teatro sacro.

O percurso teológico do enredo coincide com a ênfase na presença feminina. Começa com a cena do diálogo transgressor de Jesus pedindo água à samaritana. O cenário é o Poço de Jacó. Era um escândalo esse tipo de diálogo com aquela  mulher de muitos maridos e samaritana, arqui-inimiga histórica dos judeus. Tornou-se fã incondicional de Jesus e espalhou a notícia de sua presença messiânica libertadora por toda a região.


No roteiro cenográfico sacro dos jovens da Enseada do Brito, o segundo cenário também enfrenta o tema milenar da discriminação e violência legalizada contra a mulher, desta vez pega em flagrante de adultério. A famosa pecadora arrependida. O eficiente terapeuta lhe diz: vai, mulher, e não peques mais.

É a única vez que Jesus escreve, e escreve na poeira daquele chão de praça. Quem não tivesse pecado, que atirasse a primeira pedra.

Jesus permanece em cena na estrada curando o povo. Alemão, famoso cão da vizinhança, invade o  recinto e Jesus o acaricia. Toda palavra dos atores foi bíblico-contextual, na ponta da língua, sem necessidade do Ponto.

As mulheres continuam no glamour das bailarinas impecáveis de um Herodes charmoso, debochado e incompetente diante do olhar silencioso de Jesus.

As mulheres voltam na ousadia amorosa de Verônica (vere=autêntica, ikon=imagem). Ela enfrenta o o rigoroso esquema de segurança oficial e, com outras companheiras, recebem a sua imagem gravada na toalha. 

Esse grupo feminino de coragem e resiliência é liderado por três Marias (Miryam em hebraico ė aquela que enfrenta o mar quando o mar está brabo). No golpe fatal da crucificação no Morro das Caveiras, Jesus delega os cuidados de sua mãe viúva de 48 anos de idade a João, o mais moço dos seus seguidores. João é quem noticiou esse detalhe da postura do trio feminino das Marias: estavam de pé no enfrentamento da tragédia.

O efeito-surpresa ficou mais uma vez por conta da coerência feminina: as Marias vão levar perfume pro morto e o encontram vivo, ressuscitado como jardineiro. Jesus e os anjos com direito ao efeito especial das luzes de led.

Toda a obra, contou com clima de ópera nas oito músicas cantadas e dançadas em sincronia estética impecável entre luzes, ruídos, sons, palavras e gratidão a serviço da esperança biocrática: aquela que move os humanos a repetir em seu ethos a utopia do amor factível em Jesus e projeto nosso de cada dia.

O teatro sacro dos jovens palhocenses, grande parte acadêmicos da UNISUL, mostra que estão comprometidos no cultivo de uma sociedade mais justa e transformadora.


Prof. Dr. Jaci Rocha Gonçalves










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