Pátio dos Gentios: Crise, ética e coisa e tal

Leonardo Santos*

Na última terça feira, dia 17 de maio, no espaço batizado de “Pátio dos Gentios” em Tubarão no Campus Sul da Universidade do Sul de Santa Catarina, aconteceu o debate “Reflexões éticas para tempos de crise”. A Sala Multimídia da biblioteca reuniu estudantes, professores, membros da Pastoral Universitária, representantes da diocese e outros. Sala pequena, mas com muita representatividade. Na mesa, o expositor foi Jaci Rocha Gonçalves, padre casado, teólogo e professor da Unisul e debatedor, o filósofo e professor Flávio Hobold; o professor Vilson Leonel  foi moderador e padre Eduardo Rocha, coordenador geral.

Jaci foi tomado por uma nostalgia, de volta à beira do rio Tubarão, seu local de nascença. Admirado com a iniciativa do Pátio dos Gentios, elogiou os idealizadores e lembrou-lhes de seus dois últimos livros para a UnisulVirtual feitos em parceria com o prof Roberto Iunskoviski que trata sobre o sagrado e as filosofias. Nas obras, eles dão destaque para esses espaços de encontro, de intelectuais de correntes diversificadas, tanto religiosas e políticas, quanto ideológicas. Na mesma roda se reúnem ateus e teístas, pensadores seculares e crentes perguntando por um objetivo ético comum. Citando Millôr Fernandes, lembrou que “perguntar dói” e, por isso, o incômodo questionamento da ciência ética: “para quê? Para quem?”.

O segundo desdobramento da noite foi sobre a palavra “crise”. Jaci explicou que a raiz filológica da palavra crise está no verbo grego krinein  e que significa passar pelo crivo, pela peneira, pelo crisol. Comparou, então, com a química em que acrisolar é extrair de um metal a sua preciosidade, através da purificação no fogo. No entanto, pediu atenção para a dualidade de sentidos do verbo krinein que, se de um lado gera crise, de outro, gerou para nós o verbo criar e o substantivo criatividade. Portanto, o conceito de ética não é só de passar no crivo e perguntar pelas finalidades, mas como um outro lado da mesma moeda, aponta para a necessidade da criação, busca de saídas, fissuras e possibilidades, em vista dos valores e da qualidade de vida para todos.

A essa altura, o professor traz o conceito de ética proposto pelo sociólogo Zygmunt Baumann no mundo líquido da pós-modernidade. É preciso que se admita que o chão da ética ou do território da ética é a aporética, ou seja, a conflitividade inerente ao cosmos e ao mundo humano. Há que se educar para viver e conviver no conflito, sem perder a graça. Esse território movediço da conflitividade deixa espaços pequenos entre o momento da crítica e da criação; de tão pequeno,  às vezes, é difícil de ser percebido. Mas assim é o modo de ser do humano e do universo. Tudo que gera vida e regenera vida está imerso num dinamismo permanente.

É nessa conflitividade que a ciência da ética faz sua pergunta sobre os três ethos do humano: o Homo oeconomicus, o Homo politicus e o homo aesteticus. A satisfação destas três áreas chaves no cuidado da vida pertencem às ciências da economia, da política e da estética. A falência de uma delas significa tragédia para o ethos do humano. De fato, se a economia falhar na produção e, especialmente, na distribuição dos bens e serviços: o humano morre de fome. Se a ciência da política fracassar, a morte ocorre por solidão. Se a estética fracassar na construção de sentidos através dos espaços de construção de sentidos nas igrejas, nas artes, na própria ética, morre-se por vazio interior.

No diálogo o debatedor, o filósofo Flávio Hobold confirmou ser o chão da ética um caminho difícil de trilhar porque trata do cultivo de valores, por isso testemunhou que trabalha o direito à reflexão ética desde o ensino fundamental. O professor Jaci concluiu descrevendo o humano saudável eticamente como aquele que se dá o direito de ser crítico-criativo, justo e misericordioso. Embora, às vezes seja desconfortável, é esse o caminho. As perguntas da noite foram muito sábias e oportunas. Um dos participantes pediu o resumo do conceito de ética em uma frase.
Jaci respondeu ser “toda reflexão crítico-criativa em busca da vivência da justiça, como já dizia Aristóteles, sem dever nada às relações de amor e de misericórdia”.



* Orientação e revisão: Jaci Rocha Gonçalves, Dr.

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