Espiritualidade da Montanha V: O santo vício dos povos
Espiritualidade
da Montanha V:
O
santo vício dos povos
Escrito por: Jaci Rocha Gonçalves
Escrito por: Jaci Rocha Gonçalves
A penúltima
pergunta do sexagenário aprendiz de repórter sobre nossas missas de Primavera
na Pedra Branca é se existem relatos de que os índios, em determinado tempo,
procuravam sempre os morros altos, como nós temos aqui o Cambirela, a Pedra
Branca. “Isso é algo da cultura deles?” Eu lhe respondo no documentário ELA que
esse viés é papo para “varar” a noite jogando conversa fora.
Na verdade, parece
que a riqueza de relatos sobre os montes sagrados ocupa lugar de destaque entre
os povos originários de cada canto de
nosso planeta. Monte sagrado é um bom verbete para guglar e fazer seu inventário entre os povos. Talvez se conclua com
a pergunta: Será que algum povo vive sem o santo vício de uma montanha sagrada?
Uma aluna curiosa
de naturologia da Unisul me contava que guglou
sobre o monte sagrado da Austrália que voltou a ser chamado pelo nome
aborígene só a partir dos anos 80 e o povo Anangu voltou a ser seu guardião. É
isso mesmo: no Extremo Oriente, os japoneses têm um xodó pelo Monte Fuji; na
Ásia, o Monte Kailash é fonte de seus maiores rios e é sagrado para quatro
religiões: hindus, budistas, jainistas e os tibetanos indígenas de Bön.
No Oriente Médio,
os montes sagrados do Sinai, Garizin na Samaria, o Moriah de Jerusalém e o mais
famoso para os cristãos: o Monte Calvário, são alguns de centenas que inspiram
a tradição judaico-cristã e o islã. Os gregos têm o Olimpo e Roma as sete
colinas sagradas. Esse fascínio hereditário dos povos por se inspirar e refazer
na espiritualidade da montanha veio de além mar pelos nossos pedagogos açorianos,
alemães, italianos, franceses, espanhóis e árabes.
Desde menino já
cantávamos: “Subiremos montanhas
sagradas, colinas suaves do amor cristão!”,ou, com Roberto Carlos: “Eu vou subir a montanha e ficar bem mais
perto de Deus e rezar; vou pedir que as estrelas não parem de brilhar, que as
crianças não deixem de sorrir e que os homens jamais se esqueçam de agradecer!”
Os nossos povos da
Ameríndia, do Alaska à Terra do Fogo, passando pelas pirâmides maio-astecas,
pelos mestres espirituais dos povos andinos do Alto Peru e esse baixo andino
amazônico onde vivemos, também buscavam
sentidos para bem viver e conviver. Cerca de 900 povos se alimentavam da espiritualidade
em seus montes sagrados.
Desde 1999, alguns
alunos da Unisul tiveram um cicerone Guarani para escalar o Morro dos
Ancestrais, o Morro dos Cavalos. Desde 2002, tive a graça de ver vários Karaí
acompanharem jovens aqui da Universidade em Casas de Reza aos pés da Pedra
Branca. Os velhos xamãs testemunham que também aqui na montanha, os seus
ancestrais vinham se encontrar com Deus.
Quanto ao
Cambirela, os Guaranis explicaram num dos livros didáticos que significa “seios
mamados; seios de mãe”. É uma espécie de reconhecimento no próprio nome da
força vital que a montanha exerce sobre os povos. Saúde plena, integradora do
ser, força holística.
Se você tiver a
graça de escalar a Pedra Branca nesta Primavera de 2015, com o apoio do
Marquinhos, cicerone conhecido na Unisul, chegando ao topo, reze esses versos
por mim, já que meus joelhos me impedem de chegar lá:
Criador
dos montes, onde geras as nascentes de tantas cachoeiras e rios, ensina-nos a
exigir respeito, cuidado e veneração por este e outros lugares sagrados. Agora
que as máquinas poderosas do Anel Viário estão chegando, ajuda-nos a impedir
mortes desnecessárias de nascentes afogadas, matas e animais destruídos e,
sobretudo, de moradores antigos e indefesos. Que saibamos manter este santo vício
dos povos: a espiritualidade da montanha que clama vida para todos e tudo.
Jaci Rocha Gonçalves é Padre, Doutor em Teologia,Filósofo,
estudou comunicação no Vaticano e é Professor da Unisul.
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