Direitos Humanos: somos filhos das estrelas
Jaci Rocha Gonçalves, Dr.
O 10 de dezembro de 1948 marcou definitivamente um salto qualitativo diciológico (códigos focados nos direitos) para a humanidade: a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Embora ainda hoje reféns de códigos deontológicos (focados nas obrigações, nos deveres) aquela promulgação dos 30 artigos de direitos humanos representou um breakthrough, uma virada de página para o projeto humano em vista de um ethos (jeito de ser) com relações mais justas porque mais biocráticas.
Cada artigo atualizava os sonhos da Revolução Francesa, abafada, infelizmente, pelas Revoluções Industriais. Ao mesmo tempo, os 30 artigos documentam novas posturas determinadas a superar as costumeiras imposições legalistas, tanto na jurídica religiosa quanto político-econômico e acadêmico-sociais. Como não vibrar com um evento como esse?
Afinal, nossas histórias estão ligadas à macro-história da aventura humana, não é mesmo?
Eu era embrião humano irrepetível
Nesse caso, partilho duas felizes coincidências. A primeira é que era primavera no Hemisfério Sul quando nasceu a Declaração, e eu me tornava embrião humano, pois nasceria nove meses depois à margem do encontro dos rios Capivari e Tubarão, num ventre materno de 19 anos.
A propósito, num dos colóquios acadêmicos dia desses, conversávamos sobre essa Declaração, de 1948, e uma aluna lembrou-nos para observar um detalhe que conta: a histórica reclamação do movimento feminista que pedira na época por uma adequação de gênero no título. Isso resultou que não mais seria Direitos do Homem, mas Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Outro aluno acrescentou uma observação de conteúdo: dizia que lera em algum autor a crítica que os 30 artigos eram atualização moderna dos 10 mandamentos. O papo que rolou, então, foi sobre a possibilidade de estarmos vivendo uma nova versão da Era Axial estudada pelo filósofo alemão Karl Jaspers. Essa Era Axial é o nome daquele ciclo de cerca de 500 anos nos quais o Oriente e o Ocidente nos ofereceram Sócrates, Isaías, Jesus, Sidharta, Zaratustra, Lao-Tsé e Confúcio, para lembrar os mais conhecidos.
Eles revisaram todos os códigos deontológicos antigos deixando-nos heranças focadas apenas no essencial. Naquela roda de estudantes, ficou a sensação que os saltos qualitativos da humanidade, em termos de amor, seguem maturação multissecular. E uma consequente necessidade de miragem e de fôlego para longo prazo.
Nesse sentido, teria tudo a ver em nossas escolhas o sugestivo título que deu ao seu testamento o poeta chileno Pablo Neruda: “Para nascer, nasci.” Somos embriões humanos nessa evolução. Mas irrepetíveis como nosso DNA.
A segunda coincidência, diz respeito ao convite para trabalhar na Unisul. Ele ocorreu ao final de três meses de palestras para acadêmicos de todos os turnos sobre os 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos nos campi de Araranguá e Tubarão, concluindo no Clube Sete de Setembro, em Palhoça.
O velho xamã e Victor Jara: nações filhas da natureza
Vim do interior. Foi uma das primeiras viagens com minha esposa e meu filho aqui no litoral. Paramos na aldeia guarani do Morro dos Cavalos para um papo com o velho xamã. Como surpresa, encontramos um outdoor de compromisso da Unisul com o povo originário guarani.
Mais tarde, eu me dedicaria no aprofundamento da interação acadêmica com esse povo originário, desta feita agregando um viés mais científico. Na despedida, o velho sábio me emocionou dizendo que por ter casado não deixaria de ser o padre de sempre, um xamã junto de sua gente. Essa declaração e aquele outdoor iluminaram meu fio condutor nos três meses de encontros sobre os Direitos Humanos.
A propósito, enquanto me preparava para escrever essas reflexões, estive ouvindo e vendo algumas músicas de Victor Jara e Joan Baez no Youtube, nos endereços sugeridos por meus filhos e meus alunos. Victor Jara me levou às sabedorias originárias latino-americanas e caribenhas que nesses últimos anos insistem - inclusive na COP 17 e debates em Durban na África do Sul - que as nações voltem com urgência a tratar a terra como filhas da natureza.
Até parece que essas lideranças originárias participaram do final daquela roda acadêmica na Unisul em 1998 quando lemos numa lâmina: “é hora de passar dos Direitos Humanos aos Direitos da Terra”.
Joan Baez, Montesinos , Boff: por uma grande família cósmica!
É comovedor constatar que, quem se acha autorizado a estimular a volta a essa relação, são descendentes dos povos tornados escravos pela colonização européia. Por coincidência, nesse dezembro, se comemoram os 500 anos do histórico sermão de Montesinos de 1511.
Considerado o “embrião” da Carta da ONU de 1948, na homilia escrita, o frade dominicano denunciou a exploração dos nativos e reivindicou a sua dignidade como filhos e filhas de Deus: "com que direito e com que justiça esses índios são mantidos em servidão tão cruel e horrível? Acaso eles não são homens?"
À voz dos povos originários da Ameríndia, em favor da Mãe Terra, juntaram-se nesses dias também os africanos como Desmond Tutu insistindo que "esse é o único lar que temos”. Sob os embalos e a voz romântico-indignada de Joan Baez, pensei fechar essa reflexão bem ao seu estilo, não só trazendo o grito da Conferência de Durban por "Justiça Climática Já!” como também o apelo do filósofo catarinense Leonardo Boff por nossa urgente ampliação conceitual de inclusão do universo, como o fazem ainda hoje os povos originários quando seguem seus xamãs.
Damo-nos, dessa forma, o direito dos direitos de nos sentirmos unidos ao universo, como irmãos e irmãs das estrelas, formando uma grande família cósmica levando uma vida sustentável, serena e cheia de sentido. O uso desse direito, tanto nos faz silenciar diante da grandeza do mar, vibrar diante do olhar da pessoa amada como estremecer face a um recém-nascido, como nos indignar contra a necrocracia. É uma ótima receita diciológica para o novo que renasce teimoso em 2012.
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