Alunos de Medicina trocam sala de aula por Aldeia


Acadêmicos da 2ª fase do curso de Medicina da Unisul, Campus Grande Florianópolis, Unidade Pedra Branca, tiverem uma aula diferente, ao ar livre e na aldeia Yakã Porã, na Enseada de Brito, em Palhoça/SC. A atividade foi fruto da parceria entre a Unidade de Aprendizagem “Atenção Primária em Saúde” do curso de Medicina, Projeto FitoSUS e o Projeto Direitos Humanos e Mediações Culturais representados, respectivamente, pela professora Dra. Márcia Kretzer, pela professora Dra. Eliane Traebert e pelo professor Dr. Jaci Rocha Gonçalves. Também fez parte da organização o ex-professor da Unisul, Dr. Yu Tao, do Instituto Homo Serviens.

A aula sobre a medicina guarani, seu modo de vida e seu modo de tratar a vida, foi ministrada por Kerexu Yxapyry, guarani graduada em gestão ambiental, Jera e Elizandro Antunes professores da Escola Indígena. Os alunos surpreenderam os guarani com saudações em sua língua. Esses cantaram e dançaram mantras sagrados do coral em língua guarani. Os visitantes e visitados vivenciaram, então, uma roda de conversa, sentados em cadeiras consertadas doadas pela Unisul.

Os alunos puderam ter contato com uma cultura diferente, que utiliza vários tipos de rituais, inclusive em todo o processo de gravidez. Do pré-natal ao nascimento da criança, não só a mãe como toda família devem seguir uma determinada dieta, ingerir certos tipos de ervas e beber certos chás.
Os alunos também conheceram questões ligadas ao plantio e alimentação dos índios.  “No plantio, todo processo desde semear a semente até cuidar de uma árvore também requer o respeito e o afeto. Cada planta tem sua peculiaridade, há uma forma de tirar da mata, um modo de coleta, de cultivo na mata, de manejo, qualquer descuido pode prejudicar a energia da planta em repassar sua cura ou dar energia. Assim é também com a planta. Se a gente não utilizar ou não a respeitar da maneira certa, ela pode servir como um veneno ao invés de remédio”, disse Kerexu.
Kerexu ainda explica que há um tempo para colheita, uma direção e um tempo certo para colher seja a folha, a flor, as raízes; para cada parte da planta que se utiliza existe um ritual. “A gente fala que a gente pede licença, a gente conversa com a planta, que na verdade não são todos também que tem essa autorização de fazer isso, são algumas pessoas”, explica Kerexu Yxapyry sobre o respeito e o cuidado com as plantas no modo de viver guarani.
O professor Elizandro Karaí respondeu sobre a rotina do tratamento de saúde pelo governo sem levar em conta o conhecimento dos xamãs. “A ausência do respeito a tratamentos de saúde com o saber indígena, fez com que fosse criado um subsistema de saúde no SUS que é a SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena). Ela atende exclusivamente a comunidades indígenas, essa vitória das comunidades indígenas, no entanto, ainda não atendeu à demanda reivindicada há tempos pelos mais velhos, o reconhecimento da medicina originária nos postos de saúde indígena onde o médico trabalha com o xamã”.
Sobre as plantas medicinais, Kerexu Yxapyry diz que é suspeita em falar, porque é uma paixão desde criança. “Convivo com minha vó de 89 anos. Pena que ela não pode vir, mas ela mora lá comigo. É uma pessoa que trabalha muito com ervas medicinais; porque, na verdade, todas as ervas que ela olha são medicinais e a gente convive com isso o tempo todo. Para mim é o maior prazer poder estar dialogando sobre isso”.
Além das questões de saúde, Kerexu contou sobre a mobilidade guarani pelo território dentro da YVYRUPÁ (expressão utilizada em guarani para designar a estrutura que sustenta o território terrestre). O território vai além das delimitações federativas feitas pelo não-indígena e abrange Paraguai, Uruguai, Argentina, Bolívia e Brasil. “Essa mobilidade de que a gente fala é um ritual. Hoje, cientificamente, nós somos conhecidos como povo nômade, mas na verdade existe um porquê dessa mobilidade que é dentro da nossa crença: é a busca pela Terra Sem Males. Nessas caminhadas sagradas do povo guarani são feitas trocas de conhecimentos e também de sementes dos mais diversos tipos” respondeu Kerexu Yxapyry.
O professor Dr. Yu Tao comentou que vê na medicina originária guarani semelhanças claras com a medicina chinesa, sobretudo quanto ao uso das plantas medicinais. A professora Márcia se surpreendeu com o olhar medicinal dos Guarani: “Mas a gente não trabalha com essa visão tão ampla com que vocês trabalham e que, certamente, modifica toda a forma de a gente lidar com a vida. Um novo olhar! Muito linda essa concepção, essa cultura de vocês”.
O coordenador do Projeto Direitos Humanos e Mediações Culturais, professor Jaci Gonçalves, foi o grande incentivador deste encontro entre povos originários e o curso de Medicina da Unisul. “Ao final da aula, que foi muito rica em conhecimento para todos, tivemos mais dois momentos fortes: o da partilha de alimentos comuns e o da vivência pelas trilhas e cachoeiras. Assim, experienciamos os Guarani, docentes e acadêmicos, como é frutífera a extensão como ambiente de aprendizagem”, reforça o professor Jaci.

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