Vitor kaingang vive em nós?
Espiritualidades no timing da vida.
Escrito por: Jaci Rocha Gonçalves
No
sétimo dia do assassinato de Vitor, também morreu por fome o menino Jadson
Guarani enterrado na aldeia Kurussu Ambá, no Mato Grosso do Sul. Desde 2007,
cinco crianças morreram nessa aldeia por desnutrição. O mais velho tinha 5
anos. De acordo com a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), a falta de
alimentação matou quase 600 crianças
indígenas nos últimos dez anos. Nas estatísticas, metade da mortalidade
infantil no país é ocupada por índios, mesmo que eles representem apenas 0,4%
da população.
Essa foi a repercussão em Curitiba da morte de Vitor
Kaingang. Os povos originários mostram fôlego renovado, biocrático na luta por
seus direitos nesse chão que já foi deles.
Car@ leitor@. Feliz 2016! Sob o
velho desafio de exercitar a espiritualidade biocrática, quero dizer, de quem
se deixa governar (kratós) pelo valor da vida (bios) para todos e tudo. Como
bem explica o samba O que é?, de Gonzaguinha, dos tempos difíceis das ditaduras
latinoamericanas. Ensopado de espiritualidade biocrática, o refrão sugere-nos o
desafio de revitalizar em nós o perfil
da “beleza de ser um eterno aprendiz, ai, meu Deus! Eu sei, que a vida
devia ser bem melhor e será; mas isto não impede que eu decida: é bonita, é
bonita e é bonita!”
É, pois, um perfil de postura
biocrática e de teimosia antiga. Basta
lembrar o ditado latino mors tua, vita mea!
(Tua morte, vida em mim!) reconhecendo que a morte do outro gera e sustenta
minha vida. Incluem-se aí desde os vegetais e animais como alimento em nossa
mesa até o gesto de Deus cujo martírio em Cristo possibilita nossa ressurreição
diária.
Em 2015 reagimos aos contextos
de violência sobre os humanos e a mãe terra exercitando essa mesma arte milenar
de ser cuidador/a da vida de todos e de
tudo. Em nosso contexto mundial de 2016, as barbáries continuam numerosas e
crônicas desafiando nossa indignação de cuidadores/as, sobretudo quando ferem
crianças inocentes.
Dia 30 deste janeiro de 2016
faz um mês do infanticídio de Vitor Kaingang, 2 anos de idade, sob aquela
árvore junto à rodoviária de Imbituba (SC). Foi degolado impiedosamente pela
faca afiada nas mãos assassinas do jovem que usara um contexto de carícia
traiçoeira, tirando-lhe a chance de viver e conviver com seu povo originário
kaingang, na aldeia Condá em Chapecó/SC.
O infanticídio de Vitor
Kaingang coincidiu com o contexto da festa religiosa dos Santos Inocentes
também passados ao fio da espada de Herodes caçando o Neném Jesus ameaçador de
seus planos políticos. Furioso com a quebra do acordo diplomático dos Santos
Reis que voltaram para os seus povos por outro caminho diferente do combinado.
Toda vez que conseguimos olhar
fundo nos olhos das pessoas, sobretudo mais indefesas, como crianças e velhos,
somos movidos a dançar o difícil samba da biocracia. É a espiritualidade
dando-nos a dica para um cotidiano eficaz em 2016. E o luto do menino Vitor e
de milhões de crianças inocentes não terá sido estéril.
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