Carijós e guaranis: nomes diferentes, um mesmo povo

Novo livro da jornalista Rosana Bond traz registros históricos que refutariam um dos principais argumentos contrários à demarcação da terra indígena no Morro dos Cavalos


O livro “Aleixo Garcia: Algo Mais Sobre a Saga do Descobridor dos Incas”, que acaba de sair do forno,
traz revelações contundentes acerca de um tema que vem mexendo com o cotidiano palhocense nos
últimos anos: a demarcação da terra indígena no Morro dos Cavalos. Com uma argumentação sólida, baseada em fontes históricas, a pesquisadora e escritora Rosana Bond derruba um dos principais argumentos contrários à homologação, o de que os guaranis que hoje habitam a área não descendem do grupo carijó que povoou a região centenas de anos atrás.


Na quinta-feira, dia 20, Rosana repassou suas descobertas pessoalmente aos índios do Morro dos Cavalos durante programação que fez parte do evento multicultural UniDiversidade, no auditório do bloco C, na Unisul, na Pedra Branca. Rosana “devolveu” aos representantes indígenas, em forma de esperança, a sabedoria que os índios repassam a cada nova jornada de desbravamento de fatos. A autora chegou a se emocionar com as palavras de uma liderança guarani presente no encontro. Palavras que representavam a expressão de uma cultura rica em simbolismos.

Uma riqueza que certamente ajudou a transformar a jornalista em uma peregrina incansável na cruzada em busca dos registros históricos. Em seu 17º livro, editado pela editora carioca Aimberê/AND, Rosana explica a confusão de nomenclaturas. Segundo a autora, os indígenas guaranis e os carijós encontrados em Palhoça e em outros pontos do litoral no século 16 são uma mesma tribo. Ela sustenta que o antigo povo não se extinguiu; apenas o termo “carijó”, criado artificialmente pelos conquistadores europeus quando chegaram ao Brasil e à América do Sul, é que caiu em desuso com o passar do tempo. “Como se pode falar em extinção de um povo apenas porque membros deste, premidos pelas circunstâncias, mudaram de lugar e foram viver em aldeias interioranas? O nome ‘cario’ ou ‘carijó’, tão somente o vocábulo, é que foi se extinguindo na costa catarinense conforme tais índios iam desaparecendo deste cenário geográfico. Não se pode, e nem se deve, confundir”, alerta a autora, em trecho do livro.

Rosana acredita que as “controvérsias e equívocos” hoje existentes foram motivados pela própria complexidade histórica que envolve o assunto. “No livro, tento clarear um pouco as coisas, mostrando didaticamente, através de informações da história, que os carijós ou carios não desapareceram como povo, e sim, que seu nome, tão somente seu nome, é que transformou-se paulatinamente numa palavra em desuso, porque os espanhóis e os portugueses deixaram de aplicá-la, passando a chamá-los de guaranis”, explica.
Rosana Bond conta que localizou um estudo no Paraguai, feito na década de 1970, comprovando que no começo da conquista do Brasil e da América do Sul os europeus utilizavam o termo “carijó/cario” para designar os guaranis em geral, não importando se viviam no litoral brasileiro, no interior do Paraná, no Paraguai ou até no Pantanal.

Em outra pesquisa, uma historiadora e arqueóloga dos Estados Unidos mostra que em uma fase de quase 50 anos os nomes carijó e guarani foram usados paralelamente como sinônimos num amplo território brasileiro e sul-americano. “Na costa catarinense, do Maciambu para o Sul, essa sinonímia durou até meados dos anos 1600, quando os últimos guaranis fugiram dos bandeirantes e foram morar nas aldeias carijós do interior do continente”, explica.
A jornalista diz acreditar que a confusão e o mal-entendido atual se devem às sucessivas mudanças de nome que os “brancos” impuseram à tribo guarani, dando a impressão de que eram povos diferentes. “Não encontramos nenhum documento dos anos 1500 ou 1600 informando que os carios eram ‘um outro tipo’ de guarani. Carijó era guarani e guarani era carijó”, sentencia.

“Aleixo Garcia: Algo Mais Sobre a Saga do Descobridor dos Incas” também traz informações inéditas ou pouco conhecidas sobre o náufrago que viveu entre os guaranis-carijós da região do Maciambu desde 1516 e, trilhando o milenar Caminho de Peabiru, foi o descobridor do império inca, antes dos espanhóis. Segundo Rosana, o Morro dos Cavalos, onde se situa a aldeia, fazia parte, nos anos 1500, da área de uso e circulação dos guaranis. “Inclusive, como registrei numa obra anterior, existia ao pé do morro um caminho indígena, comprovado por relatos dos séculos 16, 17 e 18, e ainda por um mapa militar português de 1786, de acesso restrito e só publicado em Santa Catarina há poucas décadas. Em cima desse caminho transitado pelos antigos guaranis é que parece ter sido traçado o leito da BR-101 naquele trecho”, argumenta.

Argumentos

As revelações do livro “Aleixo Garcia: Algo Mais Sobre a Saga do Descobridor dos Incas”

Argumento: Cario era um apelativo que, no começo (da conquista da América) era aplicado aos guaranis em geral
Fonte: o livro “Etnografia Paraguaya”, escrito pela antropóloga eslovena Branislava Susnik e publicado em 1978

Argumento: o termo carijó era usado como sinônimo de guarani ainda em 1543. Domingo de Irala, dirigente do Paraguai, costumava se referir aos carijós e aos guaranis como sendo um mesmo povo ou tribo, que ocupava uma vasta área, desde Assunção até a costa do Brasil. 
Fonte: o artigo “Alejo García en la Historia”, publicado pela pesquisadora norte-americana Catherine Julien, na Bolívia, em 2005

Argumento: o mercenário alemão Ulrich Schmidl também chamou de carijós os índios guaranis do porto de Juruquissaba, no rio Paraguai
Fonte: o livro “Derrotero y Viaje al Rio de la Plata y Paraguay”, que Ulrich Schmidl publicou na Europa em 1567

Argumento: o povo carijó catarinense não se extinguiu. Uma parte foi efetivamente morta nos séculos 16 e 17, em ataques de bandeirantes ou devido a enfermidades causadas pelo contato com os brancos. Porém, outra parte sobreviveu e se deslocou a Oeste (chegando inclusive ao Paraguai e à Argentina); uma parte ainda teria ficado na própria região do Maciambu.
Fonte: pesquisas da autora e tese sustentada na tese de doutorado da antropóloga Maria Dorothea Darella.

Argumento: foram localizados na Bolívia descendentes de carijós que fugiram do litoral de Santa Catarina nos séculos 16 e 17. Entre eles havia até descendentes de companheiros de viagem de Aleixo Garcia. Eles vivem na região do Isoso, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.  
Fonte: informações colhidas junto aos índios locais pelo indigenista e ex-diplomata boliviano Franz Michel Torrico

“Resida ele na costa de Santa Catarina ou de outros estados. Resida ele no Mato Grosso do Sul, no Paraguai, na Argentina ou na Bolívia. Tenha sido ele chamado de carijó ou de quaisquer outros nomes. Vocábulos extintos ou vigentes. Não importa. Ele é o guarani”

Texto: Luciano Smanioto


Comentários

  1. Muito relevante a afirmação da jornalista Rosana Bond, pois muda muito a história que conhecemos dos guaranis. Dessa forma também para os próprios guaranis foi muito relevante descobrir que seus descendentes não eram só os que ele acreditavam ser, mas como afirma a jornalista, não foram encontrados nenhum documento que comprove que carijós eram outro tipo de guarani, então sendo assim eles sempre foram os mesmos, porém denominados diferentemente pelos colonizadores.

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