Há 10 anos, o Onze de setembro abafou essa boa notícia!

Jaci Rocha Gonçalves

De 31 de agosto a 7 de setembro de 2001, em Durban, na África do Sul, inaugurávamos o Ano Internacional da Mobilização contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e todas as formas de Intolerância. No dia 8 de setembro de 2001 a mídia pode contar com o script da Declaração Universal sobre o Direito à Diversidade Cultural. Os Estados Unidos e Israel saíram da Conferência opondo-se à Declaração. Três dias depois, a tragédia do WTC no EEUU mostrou que estávamos inaugurando um novo momento para enfrentar o velho desafio da boa convivência com o diferente. Estudar Antropologia Cultural é um dos exercícios para desafiar desafios milenares como este. Pensando nisso é que resolvi repartir com você essa carta que escrevi há alguns meses aos meus alunos presenciais e virtuais na ocasião da entrega de uma nova apostila.

Criar esta apostila como subsídio de seu estudo de Antropologia Cultural (AC) significou vivenciar sentimentos de desafio e esperança.

Desafio porque a AC é filha da Antropologia, a jovem ciência de menos de duzentos anos de idade. Nela, pela primeira vez, o humano acrescenta à reflexão, o momento científico da observação de si mesmo; e como cultural, assume o desafio de observar a cultura como constitutivo do humano.

Na verdade, somos a única espécie a criar mil respostas diferentes para necessidades iguais. Assim, para saciar a fome, mil cardápios e economias; para conviver, criamos inúmeros sistemas políticos, para manter a sanidade, mil medicinas; para habitar e nos locomover, inúmeras formas de engenharias e tecnologias.

A lista não acaba: criamos ritos variados para o nascer e o morrer. Mas em tudo, as diversidades culturais geram uma teia de coerência endocultural e ecossistêmica.

Nisto nos temos descoberto como iguais: na capacidade de sermos diversos. Aí mora a esperança de deixarmos de confundir diferença, que é riqueza, com desigualdade que é fonte de desgraça e de sofrimentos. E já que fomos criados todos iguais na diferença, reside aí uma esperança para a cidadania.

A Antropologia Cultural, como você verá, empreendeu com entusiasmo a tarefa de pesquisar a cultura como fenômeno humano e nos dar condições científicas de olhar o macro e o micro produzido pelo humano no seu real contexto de complexidade. Não há cultura ingênua, nem simplória.

Quando remarmos pelos rios da cultura, vamos nos dar conta que para a AC todo detalhe conta. E o que nos provoca estranhamento nos ajuda a crescer porque nos observamos estranhos também para a alteridade. E o que julgávamos como inato e único, o descobrimos como cultural e nosso modo-de-ser como um jeito a mais entre outros jeitos possíveis de viver.

Há, no entanto, uma preciosidade em cada jeito identitário: ele é irrepetível e tem fascínio próprio a ser oferecido – como pessoa e como povo. Você verá assim que a unidade e diversidade de cada cultura como objeto de análise da Antropologia Cultural, pode ser compreendida a partir de diversos enfoques. Inclusive este: as singularidades mostram este aspecto ontológico do humano que é ser diverso.

Nossos encontros têm ainda uma expectativa: de ser instrumento na sua formação como  pessoa e profissional de olhar pluralista num momento ímpar de mundialidade. O distante é vizinho e no videogame nossos filhos brincam e interagem com meninos chineses,indianos, nas savanas africanas, indonésios, no nordeste,com um povo originário da Amazônia ou no Bexiga no centro da megalópole paulista.

Assusta-nos, porém, imaginar um mundo de mesmice. Mas há muito o que fazer. Como veremos ao final dos encontros, a primeira vez que nos reunimos para objetivamente tratarmos da questão do direito à diversidade cultural e diagnosticarmos  situações crônicas de doenças culturais como xenofobia, preconceitos e fundamentalismos foi próximo ao 11 de setembro de 2001.

Quem soube do grande encontro de Durban, na África do Sul, quando discutimos em foro internacional sobre diversidade cultural pela primeira vez?

Mas os remédios vão aparecendo nos movimentos de economias solidárias, jurisprudência de sabedorias até então desconhecidas; formas de lidar com o ecossistema onde é surpreendente a sintonia fina de povos originários ligados à terra a quem continuam chamando de Mãe.

Neste contexto é que acreditamos que nossos encontros de AC ajudem-nos a cumprir nossa missão científica de esperança, de não deixar romper a união entre as ciências da vida, as ciências exatas e as ciências humanas.

Mais do que a procura de origens, ela foca a história da convivência com o diferente. Um exercício que pode ajudar a humanidade a superar a belicosidade crônica das guerras e aprender a irenelogia, ciência da paz.

Porque somos todos alunos do cultural. Somos todos professores tb. Daí sua interação através dos trabalhos de troca cultural ser indispensável; já que estamos no Brasil de muitos brasis e no mundo virtual onde as fronteiras postiças da geopolítica cedem a cada dia o espaço para a troca de identidades culturais.

O texto de nossos encontros quer ser didático e, ao mesmo tempo, inacabado como a dinâmica cultural. Nisto contará com você. Que procure estabelecer relações com suas experiências culturais trocando sabedorias através deste imenso espaço virtual ou nas nossas rodas de ensino presencial. Bom estudo! Prof. Jaci”

Pois é, amig@ já faz um tempo que escrevi esse recado para a roda acadêmica sobre essas notícia. Há 10 anos, o Onze de setembro abafou essa boa notícia. Quem sabe a lembrança de Durban, a leitura daquela Declaração e de seu Plano de Ações possam ser uma homenagem  concreta às vítimas do WTC e de milhões de outras vítimas anônimas, reféns do mesmo mal que nos desafia há milênios: nosso analfabetismo na arte de ver no diferente uma riqueza ao invés de ameaça!

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